12 . Os Camaradas e os irmãos
Resumamos. O bom senso cristão se choca a cada instante com
a nova religião. O católico está exposto a uma dessacralização geral; tudo se
lhe mudou, adaptou. Faz-se-lhe compreender que todas as religiões trazem a
salvação, que a Igreja acolhe indistintamente os cristãos separados e mesmo o
conjunto dos crentes, inclinem-se eles diante de Buda ou de Krishna. Explica-se
que os clérigos e os leigos são membros iguais do “Povo de Deus” de modo que
leigos designados para funções particulares assumem tarefas clericais (vêem-se
celebrar sozinhos os enterros e encarregar-se do viático aos doentes, enquanto
que os clérigos assumem as tarefas dos leigos, se vestem como eles, vão
trabalhar nas usinas, se inscrevem nos sindicatos, fazem política. O novo
direito canônico reforça esta concepção. Ele confere prerrogativas inéditas aos
fiéis, reduzindo a diferença entre estes e os sacerdotes e instituindo o que
chama de “direitos”: teólogos leigos podem ter acesso às cátedras de teologia
nas universidades católicas, os fiéis participam do culto divino no que estava
reservado a certas ordens menores e à administração de certos sacramentos:
distribuição da comunhão, participação no testemunho ministerial, nas
cerimônias do casamento.
Fórmula suspeita, pois a doutrina de sempre ensina que a
Igreja de Deus é a Igreja
Católica.
De outra parte lê-se que a Igreja de Deus “subsiste” na
Igreja Católica. Se se aceita esta formulação recente, pareceria que as
comunidades protestantes e ortodoxas façam igualmente parte dela, o que é
falso, uma vez que elas se separaram da única Igreja fundada por Jesus Cristo: Credo
in unam sanctam Ecclesiam.
O novo direito canônico foi redigido às pressas e na
confusão, e a prova disto é que, promulgado em janeiro de 1983, ele conhecia,
em novembro do mesmo ano, 114 modificações. Também isto desconcerta o cristão,
que tinha o hábito de se referir à legislação eclesiástica, como a qualquer
coisa de fixo.
Se, como pai de família, ele tem a preocupação de educar bem
seus filhos, sendo praticamente assíduo ou afastado da prática dos sacramentos,
as decepções o esperam. As escolas católicas adotaram em numerosos casos a
co-educação, ministra-se nelas a educação sexual, o ensino religioso desaparece
nas classes superiores, não é raro encontrarem-se professores com orientações
socialistas, senão comunistas. Por ocasião de uma questão que causou muito
rumor no oeste da França, um destes educadores, eliminado pelos pais e depois
reintegrado pela direção diocesana, apresentava assim sua defesa. “Seis meses
depois de ter entrado em Notre Dame, um pai de aluno quis simplesmente
eliminar-me pois no início do ano eu me havia apresentado sob todos os pontos
de vista, político (de esquerda), social, religioso... Não era possível, na sua
opinião ser professor de filosofia e socialista num estabelecimento privado”.
Um outro caso que sucede no Norte: um novo diretor é nomeado
numa escola pela direção diocesana: os pais se dão conta, ao cabo de algum
tempo, de que ele é militante num sindicato de esquerda, de que se trata dum
sacerdote reduzido ao estado leigo e casado, de que seus filhos não parecem ter
sido batizados. Pelo Natal ele organiza uma festa para os alunos e os pais, com
a participação do Auxílio popular que é, como se sabe, uma organização
comunista. Então os católicos de boa vontade se perguntam se é útil fazer
esforços para pôr seus filhos na escola livre.
Numa instituição para moças do centro de Paris, o catequista
se apresenta numa manhã como o capelão de Fresnes, que acompanha um jovem
detento de dezoito anos. Eles explicam às alunas que os prisioneiros se sentem
muito sós, que têm necessidade de afeição, de contatos com o exterior e de
correspondência. Se uma ou outra das alunas quiser tornar-se protetora, ela
pode dar seu nome e seu endereço. Mas, sobretudo, não se deve falar disto aos
pais, pois eles não compreendem estas coisas; isto deve permanecer um assunto
de jovens.
Noutro lugar, é uma professora primária que é repreendida,
desta vez por um grupo de pais, por ter ensinado a seus alunos fórmulas de
catecismo e a Ave-Maria. Ela foi absolvida pelo bispo, coisa que não poderia
ser mais normal, mas que parece tão insólita que a carta foi reproduzida na
“Famille éducatrice” como se fora um acontecimento.
Como entender isto? Quando o governo francês decidiu acabar
com a escola livre, ela se mostrou vulnerável porque, na quase totalidade dos
casos, não correspondia mais à sua missão, quer num ponto, quer em vários. Seus
adversários tinham motivos de dizer: que fazeis no sistema educativo? Para que
servis? Nós fazemos a mesma coisa; por que duas escolas? Certamente
encontram-se ainda reservas de fé e convém render homenagem a numerosos
professores conscientes de suas responsabilidades, mas o ensino católico não se
afirma mais de um modo claro em face da escola pública, ele percorreu uma boa
metade do caminho no qual o querem comprometer os zeladores do laicismo. Foi-me
relatado que, nas manifestações, grupos haviam causado escândalo cantando
“Queremos Deus nas nossas escolas”. Os organizadores tinham secularizado o mais
possível os cantos, os slogans, os discursos afim de, diziam eles, não pôr em
posição embaraçosa as pessoas que tinham vindo sem preocupações religiosas
particulares, e entre as quais se encontravam descrentes e até socialistas.
É fazer política querer afastar o comunismo e o socialismo
de nossas escolas? O católico sempre pensou que a Igreja se opunha a estas
doutrinas devido ao ateísmo militante que elas professam. Ele tem visto
perfeitamente razão quanto ao princípio e quanto às aplicações: o ateísmo
determina modos radicalmente diferentes de conceber o sentido da vida, o
destino das nações, as orientações da sociedade. Houve tanto mais estranheza ao
ler em Le Monde de 5 de junho de 1984 que Dom Lustiger, respondendo às
perguntas deste jornal e exprimindo de resto várias idéias muito justas, se
queixa de ter visto escapar uma oportunidade histórica com o voto do Parlamento
sobre a escola livre. Esta oportunidade, explica ele, consistia em encontrar,
em acordo com os social-comunistas, um certo número de valores fundamentais
para a educação das crianças. Que valores fundamentais comuns pode haver entre
a esquerda marxista e a doutrina cristã?
É tudo o oposto.
Mas o católico vê com surpresa intensificar-se o diálogo
entre a hierarquia eclesiástica e os comunistas.
Os dirigentes soviéticos, e também terroristas como Yasser
Arafat são recebidos no Vaticano. O concílio deu o tom, recusando renovar a
condenação do comunismo. Não encontrando sinal desta condenação nos esquemas
que lhes eram submetidos, quatrocentos e cinquenta bispos, lembremo-lo, tinham
assinado uma carta reclamando uma revisão neste sentido. Eles se apoiavam nas
condenações passadas e, em particular, na afirmação de Pio XI que qualificava o
comunismo de “intrinsecamente perverso”, significando com isto que não havia
nesta ideologia aspectos negativos e aspectos positivos, mas que se devia
rejeitá-lo em sua integralidade. Tem-se lembrança do que adveio daí: a emenda
não foi transmitida aos padres, o secretariado central do concílio declarou não
ter tido conhecimento dela, depois a comissão admitiu que a tinha recebido mas
demasiadamente tarde, o que não era exato. Foi um escândalo, que terminou pela
anexação, por ordem do papa, à constituição Gaudium et spes, duma passagem
alusiva sem grande alcance.
Quantas declarações de bispos para justificar, senão para
encorajar a colaboração com os comunistas, independentemente do ateísmo
ostensivo! “Não compete a mim, mas aos cristãos, que são adultos responsáveis,
dizia Dom Matagrin, ver em que condições eles podem colaborar com os
comunistas.” Para Dom Delorme os cristãos devem “lutar por mais justiça no
mundo com todos os que são animados pela justiça e pela liberdade, inclusive os
comunistas”. É o mesmo tom em Dom Poupard que incita a “trabalhar com todos os
homens de boa vontade em todas as obras da justiça onde se constrói
incansavelmente um mundo novo”.
Num boletim diocesano, a oração fúnebre dum padre operário
foi arranjada assim: “Ele tomou o partido do mundo dos trabalhadores por
ocasião das eleições municipais. Não podia ser o sacerdote de todos, ele optou
por aqueles que faziam a escolha da sociedade socialista. Foi duro para ele.
Criou-se inimigos, mas também muitos novos amigos. Tito Paulo era um homem
posicionado”. Um bispo dissuadia, há pouco tempo, seus sacerdotes de falar nas
suas paróquias da obra “ajuda à Igreja na miséria” dizendo: “minha impressão é
que esta obra se apresenta sob aparências muito exclusivamente anticomunistas.”
Verifica-se com assombro que a excusa dada a este gênero de
colaboração repousa sobre a noção, falsa em si mesma, de que o partido
comunista teria por objetivo instaurar a justiça e a liberdade. É preciso
relembrar sobre este assunto as palavras de Pio IX: ”Se os fiéis se deixam
enganar pelos promotores das manobras atuais, se consentem em conspirar com
eles para os sistemas perversos do socialismo e do comunismo, que o saibam e o
considerem seriamente: acumulam para si mesmos e junto do divino Juiz tesouros
de vingança no dia da cólera; e, na espera disto, não provirá desta conspiração
nenhuma vantagem temporal para o povo, mas antes um aumento de misérias e de
calamidades.”
Basta, para ver a justeza desta advertência lançada em 1849,
há mais de cento e quarenta anos, observar o que se passa em todos os países
colocados sob o jugo comunista. Os acontecimentos deram razão ao papa do
Syllabus e, não obstante isto, a ilusão continua viva e mesmo se acentua. Mesmo
na Polônia país católico entre todos, os pastores não apresentam mais a questão
da fé católica e da salvação das almas como primordial e que deve fazer aceitar
todos os sacrifícios, inclusive o da vida. O que mais importa no seu espírito é
não provocar ruptura com Moscou, o que permite a Moscou reduzir a uma
escravidão ainda mais completa o povo polonês, sem encontrar a verdadeira
resistência.
“É sabido que os bispos tchecoslovacos consagrados por Mons.
Casaroli são colaboradores do regime, como o são os bispos que dependem do
patriarcado de Moscou... Feliz de ter podido dar um bispo a cada diocese
húngara, o papa Paulo VI rendeu homenagem a Janos Kadar, primeiro secretário do
partido comunista húngaro” principal promotor e o mais autorizado da
normalização das relações entre a Santa Sé e a Hungria”. Mas o papa não dizia o
preço elevado pelo qual tinha sido paga esta normalização: a instalação em
postos importantes da Igreja de “padres da paz”... De fato, grande foi o
estupor dos católicos quando ouviram o sucessor do cardeal Mindzenty, o cardeal
Laszlo Lekai, prometer intensificar o diálogo entre católicos e marxistas”.
Falando da perversidade intrínseca do comunismo, Pio XI acrescentava: “e não se
pode admitir em nenhum terreno a colaboração com ele da parte de qualquer que
deseja salvar a civilização cristã!
Esta ruptura com o ensino da Igreja, ajuntando-se àquelas
que enumerei, nos briga a afirmar que o Vaticano está ocupado por
modernistas e por homens deste mundo que acreditam encontrar nas astúcias
humanas e diplomáticas mais eficácia para a salvação do mundo do que aquilo que
foi instituído pelo divino fundador da Igreja.
Citei o cardeal Mindszenty; como ele, todos os heróis e os
mártires do comunismo, em particular os cardeais Beran, Stepinac, Wyszynski,
Slipyi são considerados como testemunhas embaraçosas pela atual diplomacia
vaticana e, digamo-lo como reprovações mudas no que respeita aos primeiros,
hoje adormecidos na paz do Senhor, enquanto que se abafa a grande voz do
cardeal Slipyi.
As mesmas aproximações se realizaram com a franco-maçonaria,
não obstante a declaração desprovida de ambigüidade da Congregação para a
Doutrina da Fé em fevereiro de 1981, à qual havia precedido uma declaração da
Conferência episcopal alemã em abril de 1980. Mas o novo direito canônico não
faz menção delas e não formula expressamente nenhuma sanção. Os católicos
souberam anteriormente que os maçons B'nai Brith tinham sido recebidos no
Vaticano e, numa data recente, o arcebispo de Paris acolhia, para uma conversa,
o grão mestre duma loja, enquanto certos eclesiásticos não se cansam de querer
reconciliar a Sinagoga de Satã com a Igreja de Cristo.
Tranqüilizam-se os católicos dizendo-lhes como para o resto:
“A condenação das seitas ontem era talvez fundada, mas os irmãos tripingados
não são mais aqueles que eram”. “Vejamo-los então agindo. O escândalo da loja
P2, na Itália, está ainda bem fresco nas memórias. Na França não há dúvida de
que a lei laica contra o ensino livre é antes de tudo obra do Grande Oriente,
que multiplicou as pressões junto do Presidente da República e de seus filiados
presentes no governo e nos gabinetes ministeriais para que se realize enfim o
“grande serviço da educação nacional”. Eles agiram mesmo, desta vez, às claras;
jornais como Le Monde fizeram regularmente a justificação de suas negociações,
seu plano e sua estratégia foram publicadas em suas revistas.
Devo acrescentar que a maçonaria é sempre o que era? O
antigo grão mestre do Grande Oriente, Jacques Mitterand, que confessava pela
rádio em 1969: “Nós tivemos sempre bispos e padres nas nossas lojas”, fazia a
seguinte profissão de fé: “Se colocar o Homem sobre o altar em vez de nele
colocar Deus é o pecado de Lúcifer, todos os humanistas desde o Renascimento
cometem este pecado. “ Esta foi uma das censuras invocadas contra os
franco-maçons, quando foram excomungados pela primeira vez pelo papa Clemente
XII em 1738. Em 1982, o grão mestre Jorge Marcou não dizia outra coisa: ”É o
problema do homem que prevalece.” Na primeira ordem de suas preocupações,
quando foi reeleito figurava o abono do aborto pelo seguro social, “passando
por esta medida a igualdade econômica das mulheres.”
Os franco-maçons penetram na Igreja. Em 1976, informava-se
de que aquele que tinha sido a alma da reforma litúrgica, Mons. Bugnini, era
franco-maçon. Pode-se julgar, desta revelação, que não era ele o único. O véu
que cobria a maior mistificação da qual o clero e os fiéis foram objeto
começava a rasgar-se. Vê-se mais claro com o tempo e os adversários seculares
da Igreja também: ”Há alguma coisa que mudou na Igreja, escreve Jacques
Mitterand, as respostas formuladas pelo papa às questões mais candentes, como o
celibato dos padres ou a regulação dos nascimentos, são ardentemente
contestadas no seio da própria Igreja; a palavra do Soberano Pontífice é
questionada por certos bispos, por padres, por fiéis. Para o franco-maçon o
homem que discute o dogma já é um franco-maçon sem avental.”
Um outro irmão, M. Marsaudon, do rito escocês, fala assim do
ecumenismo cultivado no decurso do concílio: ”Os católicos, particularmente os
conservadores, não se deverão esquecer por isso de que todo o caminho conduz a
Deus. E (deverão) manter-se nesta corajosa noção de liberdade de pensamento
que, pode-se verdadeiramente falar aí de revolução, oriunda de nossas lojas
maçônicas, se estendem magnificamente sobre a cúpula de São Pedro”.
Eu queria citar-vos ainda um texto próprio a esclarecer esta
questão e mostrando quem espera ser o vencedor do outro na reaproximação
preconizada pelo abade Six e pelo padre Riquet. Ele é extraído da revista
maçônica Humanismo, número de novembro-dezembro de 1968. “Entre os pilares que
desabariam mais facilmente, citemos o poder doutrinal dotado de infalibilidade
que tinha acreditado solidificar, transcorridos cem anos, o primeiro concílio
do Vaticano, e que acaba de suportar assaltos conjugados na ocasião do
aparecimento da encíclica Humanae Vitae; a presença real eucarística que a
Igreja tinha conseguido impor às massas medievais e que desaparecerá com o
progresso das intercomunicações e das concelebrações entre padres católicos e
pastores protestantes; o caráter sagrado do sacerdote, que decorria da
instituição do sacramento do Ordem e que cederá o lugar a um caráter eletivo e
temporário; a distinção entre a Igreja dirigente e o clero “negro”, operando-se
o movimento, de agora em diante da base para cima, como em toda democracia; a
desaparição progressiva do caráter ontológico e metafísico dos sacramentos e,
com toda a certeza, a morte da confissão, tornando-se o pecado na nossa
civilização uma das noções mais anacrônicas que nos legou a severa filosofia da
Idade Média, herdeira do pessimismo bíblico.”
Notar-se-á que os franco-maçons estão prodigiosamente
interessados no futuro da Igreja, mas é para devorá-la. Os católicos devem
sabê-lo, não obstante as sereias que procuram fazê-los dormir, e todas estas
forças destruidoras são estreitamente dependentes umas das outras. A maçonaria
se define como a filosofia do liberalismo, cuja forma aguda é o socialismo. O
conjunto se agrupa muito bem sob o termo empregado por Nosso Senhor: ”as Portas
do inferno”.
- 1.
R. P. Ulisses Floridi, MOSCOU ET LE VATICAN, Ed. France-Empire.