6. O novo batismo, o novo casamento, a nova penitência, a
nova extrema-unção.
O católico, seja ele um praticante regular ou um que
reencontra o caminho da igreja nos grandes momentos da vida, é levado a
fazer-se perguntas no fundo tais como esta: o que é o batismo?
É um fenômeno novo: não há muito tempo, qualquer um sabia
responder e ademais ninguém lhe perguntava. O primeiro efeito do batismo é a
remissão do pecado original, isto se sabia, transmitido de pai para filho e de
mãe para filha.
Mas eis que não se fala mais disto em parte alguma. A
cerimônia simplificada que se realiza na igreja evoca o pecado num contexto tal
que parece tratar-se daquele ou daqueles que cometerá o batizado na sua vida e
não da falta original com a qual nós todos nascemos carregados.
O batismo aparece por consequência simplesmente como um
sacramento que nos une a Deus, ou antes, nos faz aderir à comunidade. Assim se
explica o rito de “recepção” que se impõe em certos lugares como uma primeira
etapa, numa primeira cerimônia. Isto não é devido a iniciativas particulares,
uma vez que nós encontramos amplos desenvolvimentos sobre o batismo por etapas
nas fichas do Centro nacional de pastoral litúrgica. Chama-se também batismo
diferido. Após a recepção, o “encaminhamento”, a “busca”, o sacramento será ou
não administrado, quando a criança puder, segundo os termos utilizados
determinar-se livremente, o que pode ocorrer numa idade bastante avançada,
dezoito anos ou mais. Um professor de dogmática muito apreciado na nova Igreja
estabeleceu uma distinção entre os cristãos cuja fé e cultura religiosa ele
julga capaz de atestar, e os outros — mais de três quartos do total — aos quais
não atribui senão uma fé suposta quando eles pedem o batismo para seus filhos.
Estes cristãos “da religião popular” são descobertos no decorrer das reuniões
de preparação e dissuadidos de ir além da cerimônia de acolhimento. Esta
maneira de agir seria “mais adaptada à situação cultural de nossa civilização”.
Recentemente, devendo um pároco do Somme inscrever duas
crianças para a comunhão solene, exigiu as certidões de batismo, que lhe foram
enviadas pela paróquia de origem da família. Ele verificou então que uma das
crianças tinha sido batizada mas que a outra não, contrariamente ao que
acreditavam os seus pais. Ela havia simplesmente sido inscrita no registro de
recepção. É uma das situações que resultam destas práticas; o que se dá é
efetivamente um simulacro de batismo, que os fiéis tomam de boa fé pelo
verdadeiro sacramento.
Que tudo isto vos desconcerte é bem compreensível. Tendes
também que fazer frente a uma argumentação especiosa, que figura mesmo nos
boletins paroquiais, geralmente sob a forma de sugestões, de testemunhos
subscritos por nomes próprios, ou seja, anônimos. Lemos num deles que Alamo e
Evelina declaram: “O batismo não é um rito mágico que apagaria por milagre
qualquer pecado original. Nós cremos que a salvação é total, gratuita e para
todos: Deus escolheu todos os homens no seu amor, não importa com que condição,
ou antes sem condição. Para nós, fazer-se batizar é decidir mudar de vida, é um
compromisso pessoal que ninguém pode assumir em vosso lugar, é uma decisão
consciente que supõe uma instrução prévia, etc.” Quantos erros monstruosos em
poucas linhas! Elas tendem a justificar um outro método: a supressão do batismo
das criancinhas. É ainda mais um alinhamento com os protestantes, com desprezo
do ensinamento da Igreja desde as origens, como escrevia Santo Agostinho no fim
do século IV: “O costume de batizar as crianças não é uma inovação recente, mas
o eco fiel da tradição apostólica. Este costume por si só e fora de todo o
documento escrito, constitui a regra certa da verdade.” O concílio de Cartago
no ano de 251 prescrevia que o batismo fosse conferido às crianças “mesmo antes
de seu oitavo dia” e a Sagrada Congregação para a Doutrina de Fé relembrava
esta obrigação a 21 de novembro de 1980 baseando-a “numa norma de tradição
imemorial”1.
É preciso que saibais disto para fazer valer um direito
sagrado quando se pretende recusar-vos a fazer participar os vossos
recém-nascidos da vida da graça. Os pais não esperam que seu filho tenha
dezoito anos para decidir em seu lugar sobre o seu regime alimentar ou sobre
uma operação cirúrgica necessária devido ao seu estado de saúde. Na ordem
sobrenatural seu dever é ainda mais imperioso e a fé que preside ao sacramento
quando a criança não é capaz de assumir por si mesma um “compromisso pessoal”,
é a fé da Igreja. Pensai na aterradora responsabilidade que tereis privando
vosso filho da vida eterna no Paraíso. Nosso Senhor disse de um modo claro:
“Ninguém pode entrar no Reino de Deus se não renascer por meio da água e do
Espírito Santo.”
Os frutos desta pastoral singular não se fizeram esperar. Na
diocese de Paris em 1965 uma criança dentre duas era batizada, mas em 1976 só
uma dentre quatro. O clero duma paróquia dos arredores observa, sem mostrar
muito pesar por isso, que ocorriam ali 450 batismos em 1965 e 150 em 1976. Para
o conjunto da França a baixa prossegue. De 1970 a 1981 a cifra global descia de
596.673 a 530.385, enquanto que a população crescia de mais de três milhões no
mesmo tempo.
Tudo isto provém do fato de se ter falseado a definição do
batismo. Desde que se cessou de dizer que ele apagava o pecado original, as
pessoas perguntaram: “Que é o batismo?” e logo depois: “Para que serve o
batismo?” Se elas não foram até este ponto, refletiram pelo menos nos
argumentos que lhes eram apresentados e admitiram que não se impunha a urgência
e que afinal de contas a criança poderia sempre, na adolescência, engajar-se,
se quisesse, como quem se inscreve num partido ou num sindicato.
De igual maneira se colocou a questão para o casamento. O
matrimônio foi sempre definido por seu fim principal, que era a procriação, e
seu fim secundário, que era o amor conjugal. Pois bem, no concílio, se quis
transformar esta definição e dizer que não havia mais fim primário, mas que os
dois fins que acabo de citar eram equivalentes. Foi o cardeal Suenens que
propôs esta mudança e eu me lembro ainda do cardeal Brown, superior geral dos
dominicanos, levantando-se para dizer: “Caveatis, caveatis! (Tomai cuidado!) Se
aceitamos esta definição, nós vamos contra toda a Tradição da Igreja e
pervertemos o sentido do matrimônio. Não temos o direito de modificar as
definições tradicionais da Igreja.”
Ele citou textos em apoio de sua advertência e a emoção foi
grande na nave de São Pedro. O Santo Padre pediu ao cardeal Suenens que este
moderasse os termos que tinha empregado e mesmo os mudasse. A Constituição
pastoral Gaudium et Spes contém mais de uma passagem ambígua, onde o
acento é posto na procriação “sem subestimar por isso os outros fins do
matrimônio”. O verbo latino post habere permite traduzir: “sem colocar
em segundo plano os outros fins do casamento”, o que significaria: pô-los todos
no mesmo plano. É assim que se quer entendê-lo hoje em dia; tudo o que se diz
do casamento se liga à falsa noção expressa pelo cardeal Suenens que o amor
conjugal — que bem se chamou simplesmente e mais cruamente “sexualidade” — vem
à testa dos fins do matrimônio. Consequência: a título da sexualidade, todos os
atos são permitidos: contracepção, limitação dos nascimentos, e enfim aborto.
Uma má definição e eis-nos em plena desordem.
A Igreja em sua liturgia tradicional, faz o padre dizer:
“Senhor, assisti em vossa bondade as instituições que vós estabelecestes para a
propagação do gênero humano...” Ela escolheu a passagem da Epístola de São
Paulo aos Efésios que precisa os deveres dos esposos, fazendo de suas relações
recíprocas uma imagem das relações que unem Cristo e a sua Igreja. Hoje, muito
frequentemente, os próprios esposos são convidados a compor a sua missa, sem
mesmo serem obrigados a escolher a epístola nos livros santos, substituindo-a
por um texto profano, tomando uma passagem do Evangelho sem relação com o sacramento
recebido. O sacerdote, em sua exortação, se acautela de fazer menção das
exigências às quais eles se devem submeter, por medo de apresentar uma imagem
rebarbativa da Igreja, eventualmente de chocar os divorciados presentes na
assistência.
Como para o batismo, fizeram-se experiências de casamento
por etapas ou casamentos não sacramentais, que escandalizam os católicos;
experiências toleradas pelo episcopado, que se desenrolam segundo esquemas
fornecidos por organismos oficiais e encorajados por responsáveis diocesanos.
Uma ficha do Centro Jean-Bart indica algumas maneiras de proceder. Eis uma
delas: “Leitura do texto: o essencial é invisível aos olhos (Epístola de São
Pedro). Não houve aí troca de consentimentos, mas uma liturgia sobre a mão,
sinal do trabalho e da solidariedade operária. Troca de alianças (sem bênção)
em silêncio. Alusão à profissão de Roberto: liga, soldadura (ele é chumbador).
O beijo. O Padre-Nosso pelos crentes da assistência. Ave Maria! Os jovens
esposos depositam um buquê de flores diante da estátua de Maria.”
Por que Nosso Senhor teria instituído sacramentos se se
devia substituí-los por este gênero de cerimônia isenta de todo sobrenatural, à
exceção das duas preces que lhe põem termo? Falou-se muito de Lugny no Saona e
Loire, há alguns anos. Para motivar esta “liturgia de recepção” tinha-se dito
que se queria dar aos jovens pares o desejo de voltar para casar de verdade em
seguida. Dois anos mais tarde, dentre duzentos falsos matrimônios, nenhum par
tinha voltado para regularizar sua situação. Se eles o tivessem feito, o pároco
desta igreja teria oficializado e acobertado com sua caução senão com sua
bênção, no decorrer de 2 anos, o que simplesmente não passava de um
concubinato.
Uma pesquisa de origem eclesiástica revelou que, em Paris,
23% das paróquias tinham já efetuado celebrações sacramentais para casais dos
quais um dos membros, se não mesmo os dois, não era crente, com a intenção de
comprazer às famílias ou aos próprios noivos, frequentemente por preocupação
com conveniências sociais. É escusado dizer que um católico não tem o direito
de assistir a tais encenações.
Quanto aos pretensos casados, eles poderão sempre dizer que
estiveram na igreja e acabarão sem dúvida por acreditar na regularidade de sua
situação, à força de ver seus amigos seguir o mesmo caminho. Os fiéis
desorientados se perguntam se não é melhor isto do que nada. O indiferentismo
se instala; está-se disposto a aceitar qualquer outra fórmula, o simples
casamento na municipalidade ou ainda a coabitação juvenil, a propósito da
qual tantos pais dão prova de “compreensão”, para chegar à união livre. A
descristianização total está em via de concretizar-se; aos casais faltarão as
graças que decorrem do sacramento do matrimônio para educar seus filhos, se ao
menos eles consentem em tê-los. As rupturas destas uniões não santificadas se
multiplicam a ponto de inquietar o Conselho econômico e social, do qual uma
relação recente mostra que mesmo a sociedade laica tem consciência de correr
para a sua ruína em consequência da instabilidade das famílias ou das
pseudo-famílias.
A extrema unção não é mais verdadeiramente o sacramento dos
enfermos, o sacramento dos doentes; é agora o sacramento dos velhos, alguns
padres o administram às pessoas em idade avançada que não apresentam nenhum
sinal particular de morte próxima. Ele não é mais o sacramento que prepara para
o último instante, que apaga os pecados antes da morte, e que prepara a união
definitiva com Deus. Tenho debaixo dos olhos uma nota distribuída numa igreja
de Paris a todos os fiéis para avisá-los da data da próxima extrema-unção: “O
sacramento dos enfermos é conferido às pessoas ainda bem conservadas, em meio a
toda a comunidade cristã, durante a celebração eucarística. Data: no domingo,
na missa das 11 horas.” Estas extremas-unções são inválidas.
O mesmo espírito coletivista provocou a voga das celebrações
penitenciais. O sacramento da penitência não pode ser senão individual. Por
definição e conforme a sua essência, ele é, como lembrei mais acima, um ato
judiciário, um julgamento. Não se pode julgar sem estar a par de uma causa; é
preciso ouvir a causa de cada um para julgá-la e depois perdoar ou reter os
pecados. S. S. João Paulo II insistiu várias vezes neste ponto, dizendo
notadamente no dia 1°. de abril de 1983 a bispos franceses que a confissão
pessoal das faltas seguida da absolvição individual “é antes de tudo uma
exigência de ordem dogmática”. Por conseguinte é impossível justificar as
cerimônias de “reconciliação” explicando que a disciplina eclesiástica se
abrandou, que se adaptou às exigências do mundo moderno. Não se trata de um
caso de disciplina.
Havia precedentemente uma exceção; a absolvição geral dada
em caso de naufrágio, de guerra: absolvição aliás cujo valor é discutido pelos
autores. Não é permitido fazer da exceção uma regra. Se se consultam os Atos da
Sé apostólica salientam-se as expressões seguintes tanto nos lábios de Paulo VI
como nos de João Paulo II em diversas ocasiões: “o caráter excepcional da
absolvição coletiva”, “em caso de grave necessidade”, “caráter inteiramente
excepcional”, “circunstâncias excepcionais”...
As celebrações deste gênero não deixaram, contudo, de se
tornar um hábito, sem, entretanto, serem freqüentes numa mesma paróquia, à
falta de fiéis dispostos a pôr-se em ordem com Deus mais de duas ou três vezes
no ano. Não se experimenta mais a necessidade disto, o que era de prever, visto
que a noção de pecado se extinguiu nos espíritos. Quantos sacerdotes lembram a
necessidade do sacramento da penitência? Um fiel me disse que, confessando-se
conforme os seus deslocamentos numa ou noutra das igrejas parisienses onde ele
sabe poder encontrar um “sacerdote de acolhimento”, recebe frequentemente as
felicitações ou os agradecimentos deste, todo surpreso de ter um penitente.
Estas celebrações submetidas à criatividade dos “animadores”
compreendem cantos; ou então se coloca um disco. Depois se dá um lugar à
liturgia da palavra antes de uma prece litânica à qual a assembléia responde:
“Senhor, tende piedade do pecador que sou”, ou uma espécie de exame de
consciência geral. O “Eu pecador me confesso a Deus” precede a absolvição dada
uma vez por todas e a todos os assistentes, o que não deixa de pôr um problema:
uma pessoa presente que não a desejasse vai receber a absolvição contra a sua
vontade? Vejo numa folha roneotipada distribuída aos participantes de uma
destas cerimônias, em Lourdes, que o responsável se coloca a questão: “Se
desejamos receber a absolvição, venhamos mergulhar nossas mãos na água da fonte
e tracemos sobre nós o sinal da cruz” e, no fim: “Sobre aqueles que se benzeram
com o sinal da cruz com a água da fonte o sacerdote impõe as mãos (?).
Unamo-nos à sua prece e recebamos o perdão de Deus.”
Um jornal católico inglês, The Universe, fazia-se, há
alguns anos, o defensor duma operação lançada por dois bispos e que consistia
em reaproximar da Igreja os fiéis que tinha há muito tempo abandonado a prática
religiosa. O apelo lançado pelos bispos assemelhava-se aos comunicados
publicados pelas famílias de adolescentes fugitivos: “O pequeno X pode retornar
à sua casa, não lhe será feita nenhuma censura.”
Dizia-se então a estes futuros filhos pródigos: “Vossos
bispos vos convidam durante esta Quaresma a rejubilar-vos e a celebrar. A
Igreja oferece a todos os seus filhos, à imitação de Cristo, o perdão de seus
pecados, com toda liberdade e facilidade, sem que eles o mereçam e sem que o
peçam. Ela os pressiona a aceitá-lo e lhes suplica que voltem para casa. Há
muitos que desejam retornar à Igreja após anos de afastamento, mas eles não se
podem resolver a ir confessar-se. Em todo o caso não logo...”
Eles podiam então aceitar o oferecimento seguinte: “Na missa
da estação à qual o bispo assistirá no vosso decanato (aqui se mencionam o dia e
a hora) todos os que estiverem presentes serão convidados a aceitar o perdão de
todos os seus pecados passados. Não lhes é necessário confessar-se neste momento.
Ser-lhes-á suficiente ter o pesar de seus pecados e o desejo de retornar a
Deus, de confessar seus pecados mais tarde após serem acolhidos de novo no aprisco.
“Esperando, eles não têm senão que deixar Nosso Pai dos
céus” estreitá-los em seus braços e abraçá-los ternamente”! Mediante um ato
generoso de arrependimento o bispo concederá a todos os presentes que o
desejarem, o perdão de seus pecados. Eles podem então imediatamente voltar à
santa comunhão”...
O Jornal da Gruta, folha bimensal de Lourdes,
reproduzindo este curioso mandamento episcopal impresso sob o título “General
absolution. Communion now, confession later” (“Absolvição geral. Comunhão já, confissão
mais tarde”) comentava-o assim: “Nossos leitores poderão dar-se conta do
espírito profundamente evangélico que o inspirou, assim como da compreensão
pastoral das situações concretas das pessoas.”
Eu não sei o resultado que foi obtido, mas a questão é
outra: a anistia pronunciada pelos dois bispos evoca a liquidação dos estoques
em fim de semana comercial. Pode a pastoral tomar a dianteira sobre a doutrina
a ponto de levar à comunhão do Corpo de Cristo a fiéis dos quais muitos estão
provavelmente em estado de pecado mortal, após terem abandonado há tantos anos
a prática religiosa? Certamente não. Como encarar tão levianamente pagar a
conversão com sacrilégio? E esta conversão tem porventura muitas probabilidades
de ser seguida de perseverança? Em todo caso pudemos verificar que antes do
concílio e do aparecimento desta pastoral de aceitação contavam-se 50 a 80.000
conversões por ano na Inglaterra. Elas caíram quase a zero. A árvore se conhece
pelos seus frutos.
Os católicos estão tão perplexos na Grã-Bretanha como na
França. Um pecador ou um apóstata que seguiu o conselho de seu bispo
apresentando-se à absolvição coletiva e à mesa sagrada nestas condições, não
corre o risco de perder sua confiança na validade de sacramentos tão facilmente
administrados? Que vai acontecer se, em consequência, ele negligencia
“regularizar” a situação confessando-se? Sua volta falha à casa do Pai não fará
senão tornar mais difícil uma conversão definitiva.
Eis aonde termina o laxismo dogmático. Nas cerimônias penitenciais
que se praticam, dum modo menos extravagante, em nossas paróquias, que certeza
tem o cristão de estar verdadeiramente perdoado? Ele é abandonado às
inquietudes que conhecem os protestantes, aos tormentos interiores provocados
pela dúvida. Certamente não ganhou com a troca.
Se a coisa é má no plano da validade, ela também o é no
plano psicológico. Assim, que absurdo conceder perdões coletivos, salvo, para
as pessoas que têm pecados graves, desde que se confessem em seguida! Elas não
se vão designar diante das outras como tendo pecados graves na consciência, é
evidente! É como se o segredo da confissão fosse violado.
Deve-se acrescentar que o fiel que comungar após a
absolvição coletiva, não verá mais a necessidade de se apresentar de novo ao
tribunal da penitência e isto se compreende. As cerimônias de reconciliação não
se ajuntam pois à confissão auricular, elas a eliminam e a suplantam. Está-se a
caminho do desaparecimento do tribunal da penitência, instituído como os seis
outros pelo próprio Senhor. Nenhuma preocupação pastoral poderia justificá-lo.
Para que um sacramento seja válido é preciso a matéria, a
forma e a intenção. Isto nem mesmo o papa pode mudar. A matéria é de
instituição divina; o papa não pode dizer: “Amanhã se usará o álcool para
batizar as crianças ou o leite.” Ele não pode mais mudar essencialmente a
forma. Há palavras essenciais; por exemplo não se pode dizer: “Eu te batizo em
nome de Deus”, pois o próprio Cristo fixou a forma: “Vós batizareis em nome do
Padre e do Filho e do Espírito Santo.”
O sacramento da confirmação é igualmente mal administrado.
Uma fórmula corrente hoje é: “Eu te assinalo com a Cruz e recebe o Espírito
Santo.” Mas o ministro não precisa então qual é a graça especial do sacramento
pelo qual se dá o Espírito Santo e o sacramento é inválido.
Por isso eu respondo sempre aos pedidos dos pais que têm uma
dúvida sobre a validez da confirmação recebida por seus filhos ou que temem
fazê-la administrar-lhes duma maneira inválida, vendo o que sucede em torno deles.
Os cardeais diante dos quais eu me devi explicar em 1975 me censuraram por
isto, continua-se desde então a publicar comunicados reprovadores a cada uma
das minhas viagens. Eu expliquei por que procedia assim. Eu concordo com o
desejo dos fiéis que me pedem a confirmação válida mesmo se ela não é lícita,
porque nós estamos num tempo no qual o direito divino natural e sobrenatural
prevalece sobre o direito positivo eclesiástico quando este se opõe ao primeiro
em lugar de lhe ser o canal. Estamos numa crise extraordinária e não se deve
admirar de que eu adote por vezes uma atitude que se afasta da ordinária.
A terceira condição de validade do sacramento é a intenção.
O bispo ou o sacerdote deve ter a intenção de fazer o que quer a Igreja. O
próprio Papa também não pode mudá-lo.
A fé do sacerdote não é um elemento necessário; um sacerdote
ou um bispo pode já não ter fé; outro pode ter menos fé e outro, uma fé não
totalmente íntegra. Isto não tem uma influência direta na validade dos
sacramentos, mas pode ter uma influência indireta. Lembremos o Papa Leão XIII
que proclamava que todas as ordenações anglicanas não eram válidas por falta de
intenção. Isto porque tinham perdido a fé, que não é somente a fé em Deus, mas
a fé em todas as verdades contidas no Credo, inclusive “Credo in unam sanctam
catholicam et apostolicam Ecclesiam”, quer dizer, “Creio na Igreja que é una”;
por isso, os anglicanos não podem fazer o que quer a Igreja.
Não ocorrerá o mesmo com os padres que perdem a fé? Já vemos
como alguns não celebram o sacramento da Eucaristia conforme a definição do
Concílio de Trento. “Não — dizem estes sacerdotes — há muito tempo que se
realizou o Concílio de Trento. De lá para cá, já tivemos o Vaticano II. Hoje é
a transignificação, a transfinalização. Transubstanciação? Não, isto não existe
mais. A presença real do Filho de Deus sob as espécies do pão e do vinho? Ora,
não mais no nosso tempo!”
Quando um sacerdote diz isto, a consagração é inválida. Não
há missa nem comunhão. Pois os cristãos são obrigados a crer, até o fim dos
tempos, o que definiu o concílio de Trento sobre a Eucaristia. Podem-se tornar
mais explícitos os termos de um dogma, porém não se podem mudar, isto e
impossível. O concílio Vaticano II não acrescentou nem tirou nada; aliás, não o
poderia ter feito. Porém aquele que declara não aceitar a transubstanciação
está, segundo os termos do próprio concilio de Trento, anatematizado e,
portanto, separado da Igreja.
É por esta razão que os católicos deste fim do século XX têm
a obrigação de ser mais vigilantes que seus pais.
- 1.
Instrução Pastoralis Actio.