9 . A nova teologia
As devastações da catequese são visíveis nas gerações que já
tiveram que as sofrer. Eu tinha incluído na Ratio Studiorum de meus
seminários, como a Sagrada Congregação dos seminários e universidades obrigou
desde 1970, um ano de espiritualidade colocado no início dos estudos que duram
seis anos. Espiritualidade, isto é, ascetismo, mística, formação na meditação e
na oração, aprofundamento das noções de virtude, de graça sobrenatural, de
presença do Espírito Santo...
Foi-nos preciso muito pouco tempo para desiludir-nos. Nós
nos demos conta de que estes jovens, tendo vindo com um vivo desejo de se
tornarem verdadeiros sacerdotes, possuindo uma vida interior mais profunda que
muitos de seus contemporâneos e o hábito da oração, não conheciam mesmo as
noções fundamentais de nossa fé. Não se lhes haviam ensinado. Durante o ano de
espiritualidade, foi preciso ministrar-lhes o catecismo!
Eu contei muitas vezes o nascimento do seminário de Ecône.
Nesta casa situada no Valais entre Sion e Martigny, estava previsto que os
futuros sacerdotes não fariam ali senão este primeiro ano de espiritualidade:
em seguida eles seguiriam os cursos da universidade de Friburgo. Se a criação
dum seminário completo foi muito rapidamente visada é porque a universidade de
Friburgo não assegurava mais um ensino verdadeiramente católico.
A Igreja sempre considerou as cátedras universitárias de
teologia, de direito canônico, de liturgia e de direito eclesiástico como
órgãos de seu magistério ou pelo menos de sua pregação. Ora é coisa certa que
atualmente em todas ou quase todas as universidades católicas, não é mais a fé
católica ortodoxa que se ensina. Não vejo uma só para fazê-lo nem na Europa
livre, nem nos Estados Unidos, nem na América do Sul. Há nelas professores que
sob o pretexto de pesquisas teológicas, se permitem emitir opiniões que vão
contra nossa fé e não somente em aspectos secundários.
Falei mais cima deste decano da faculdade de teologia de
Estrasburgo para quem a presença de Nosso Senhor na missa se pode comparar à de
Wagner no Festival de Bayreuth. Para ele não se trata mais da questão do “Novo
Ordo”: o mundo evolui com tal rapidez que estas coisas se encontram logo no
tempo passado. Ele julga, portanto, que é preciso prever uma Eucaristia que provirá
do próprio grupo. Em que consistirá ela? Ele mesmo não o sabe. Mas, profetiza
no seu livro Pensamentos contemporâneos e expressão da fé eucarística,
os membros do grupo, encontrando-se, criarão o sentimento desta comunhão com
Cristo que estará presente no meio deles, mas sobretudo não sob as espécies do
pão e do vinho. Ele sorri desta Eucaristia que se chama “sinal eficaz”,
definição comum a todos os sacramentos. “Isto é ridículo, diz ele, não podem
dizer mais estas coisas presentemente; em nossa época isto não tem mais
sentido.”
Os jovens alunos que ouvem estas coisas da boca de seu
professor, e além do mais decano da faculdade, os jovens seminaristas que
assistem a estes cursos são pouco a pouco impregnados pelo erro; eles recebem
uma formação que não é mais católica. Acontece o mesmo com aqueles que ouviam
há pouco um professor dominicano de Friburgo assegurar que as relações
pré-matrimoniais são uma coisa normal e desejável.
Meus próprios seminaristas conheceram outro dominicano que
lhes ensinava a compor novos cânones: “Isto não é muito difícil; eis aqui
alguns princípios que podereis utilizar facilmente quando fordes sacerdotes.”
Poder-se-iam multiplicar os exemplos.
Smulders, na Escola superior de teologia de Amsterdam,
suspeita que São Paulo e São João tenham imposto abusivamente o conceito de
Jesus filho de Deus, e rejeita o dogma da Encarnação. Schillebeeckx, na
universidade de Nimega, emite as idéias mais extravagantes, inventa a
transignificação, submete o dogma às variações impostas pelas circunstâncias de
cada época, assinala um fim social e terrestre à doutrina da salvação. Küng, em
Tübingen, antes de lhe interditarem de ensinar numa cátedra de teologia
católica, punha em questão o mistério da Santíssima Trindade, a Virgem Maria, os
sacramentos e tratava Jesus de narrador público desprovido de “toda a cultura
teológica”. Snackenburg, na universidade de Würzburg, acusa São Mateus de ter
forjado o episódio da Confissão de Cesaréia, para autenticar o primado de
Pedro. Rahner, que acaba de morrer, minimizava a Tradição nos seus cursos na
universidade de Munique, negava praticamente a Encarnação falando sem cessar, a
propósito de Nosso Senhor, de um homem “concebido naturalmente”, negava o
pecado original e a Imaculada Conceição, preconizava o pluralismo teológico.
Todos eles foram colocados nas nuvens por elementos
avançados do neomodernismo; eles têm o apoio da imprensa, de tal maneira que
suas teorias tomam importância aos olhos do público e seus nomes são
conhecidos. Eles parecem desde então representar toda a teologia e autorizam a
crer na idéia de que a doutrina da Igreja mudou.
Eles podem prosseguir seu ensino pernicioso durante longos
anos, interrompidos às vezes por leves sanções. Os papas relembram dum modo
regular os limites da missão do teólogo. “Não é mais possível, dizia ainda
recentemente João Paulo II, desviar-se, separar-se dos pontos fundamentais de
referência que são os dogmas definidos, sob a pena de perder a identidade
católica. “Schillebeeckx, Küng, o padre Pohier foram repreendidos mas não
condenados, este último por um livro em que negava a ressurreição corporal de
Cristo.
Pode-se imaginar que, nas universidades romanas, inclusive
na Gregoriana, se permitem, sob o pretexto de pesquisa teológica, as teorias
mais inverossímeis sobre as relações entre a Igreja e o Estado, sobre o
divórcio e sobre outras questões fundamentais?
É certo que o fato de se ter transformado o Santo Ofício,
que sempre foi considerado pela Igreja como o Tribunal da fé, favorece estes
abusos. Até então qualquer um, fiel, padre e com mais forte razão, bispo, podia
submeter ao Santo Ofício um escrito, uma revista, um artigo e perguntar o que a
Igreja pensava a respeito, se este escrito era conforme ou não à doutrina
católica. Um mês, seis semanas mais tarde, o Santo Ofício respondia: “Isto é
justo, isto é falso, isto se deve distinguir, há uma parte verdadeira e uma
parte falsa.”
Todo documento era, desta maneira, examinado e julgado
definitivamente. Choca-vos o fato que se possam levar assim os escritos de uma
terceira pessoa ao conhecimento dum tribunal? Que acontece então nas sociedades
civis? Não existe um Conselho constitucional para decidir o que é conforme ou
não à Constituição? Não existem tribunais, a que se recorre a respeito dos diferentes
prejuízos sofridos pelos particulares e pelas coletividades? Pode-se mesmo
pedir ao juiz intervir no caso de moralidade pública contra a afixação de um
cartaz licencioso ou contra um jornal vendido às claras e cuja primeira página
constitui um ultraje aos bons costumes, embora o limite do que é permitido
tenha recuado consideravelmente, nestes últimos tempos, em numerosos países.
Mas na Igreja, não se aceitava mais a intervenção dum
tribunal, não se devia mais julgar nem condenar. Os modernistas extraíram dos
Evangelhos, como os protestantes, a frase que lhes interessava: “Não julgueis.”
Mas não tiveram em conta o fato de que Nosso Senhor logo após disse:
“Acautelai-vos dos falsos profetas... É pelos seus frutos que os julgareis.” O
católico não deve julgar inconsideradamente as faltas de seus irmãos, seus atos
pessoais, mas Cristo lhe deu a ordem de preservar sua fé e como ele o fará sem
lançar um olhar crítico a tudo o que se faz ler ou ouvir? É ao magistério que
ele se dirigirá quando uma opinião lhe parecer duvidosa; eis para quê servia o
Santo Ofício. Mas este, desde a reforma que o afetou, se define a si próprio
como “Ofício de pesquisas teológicas”. A diferença é sensível.
Lembro-me de ter perguntado ao cardeal Browne, antigo
superior geral dos dominicanos que esteve muito tempo no Santo Ofício:
— Eminência, tendes a impressão de que esta mudança é
radical ou simplesmente superficial e acidental?
— Oh, disse-me ele, mas não! A mudança é essencial. É por
isso que não nos devemos admirar de que não mais se condene ou tão pouco, se o
Tribunal para a fé da Igreja não exerce mais sua função frente aos teólogos e a
todos aqueles que escrevem sobre os assuntos religiosos. Segue-se que os erros
se disseminam por toda a parte, eles deixaram as cátedras universitárias para
invadir os catecismos e os presbitérios das mais remotas paróquias. O veneno da
heresia acabou por apoderar-se de toda a Igreja. O magistério eclesiástico está
portanto submetido a uma crise muito grave.
Os arrazoados mais absurdos são utilizados para fazerem o
jogo destes teólogos, que de teólogos só possuem o nome. Viu-se um padre
Duquoc, professor em Lyon, percorrer a França fazendo conferências sobre a
oportunidade de conferir o sacerdócio a certos fiéis, inclusive às mulheres.
Bom número e católicos reagiram aqui e ali, um bispo do sul tomou firmemente
posição contra este pregador duvidoso, o que acontece algumas vezes. Mas em
Laval, os leigos ouviram escandalizados a resposta do episcopado: “Nosso dever
mais absoluto nesta circunstância é preservar a liberdade de palavra na
Igreja.” É estarrecedor! Onde se pôde adquirir esta noção de liberdade de
palavra? Ela é totalmente estranha ao direito da Igreja. E além do mais,
far-se-ia disto um dever absoluto do bispo! Isto redunda numa inversão total do
senso da responsabilidade episcopal, que consiste em defender a fé e em
preservar da heresia o povo que lhe foi confiado.
Eu preciso citar exemplos, escolhidos aliás no domínio
público; que o leitor queira acreditar entretanto, que não escrevo para
criticar pessoas. É a atitude que se fixou sempre o Santo Ofício. Ele não
considerava as pessoas, mas somente as obras. Tal teólogo se queixava de que se
condenara um de seus livros sem ouvi-lo. Mas o Santo Ofício condenava
precisamente trechos de obras e não os autores. Dizia: “Este livro contém
frases que não são conformes à doutrina tradicional da Igreja”. Um ponto, eis
tudo! Por que remontar àquele que as havia escrito? Suas intenções, sua
culpabilidade são da competência dum outro tribunal, o da penitência.